sábado, 17 de dezembro de 2011

>>> art.I.GO! >>>



Mataram um yorkshire, mas não mataram o mundo

por Rogério Alvarenga

Desde a última sexta-feira, 16, o assunto principal nas redes sociais é a crueldade humana. As cenas de uma enfermeira matando um cão, mais lembrado por sua "raça" yorkshire, na frente de uma criança e com direito a plateia, ganharam o país via Orkut, Facebook e até Rede Globo. Seguiu-se uma artilharia de pessimismo: estaria o mundo perdido?

Paradoxal, mas casos de extrema violência são comuns nas mídias de largo alcance - incluindo aí as redes sociais. A enfermeira que matou o cachorro, o pai que matou a filha... audiência garantida. Falar de ações positivas? Só no programa que começa antes do Sol nascer, ou durante 30 segundos do horário nobre - contra 23 horas, 59 minutos e 30 segundos do
show da vida consumista e trágica. O resultado mais óbvio não poderia ser outro senão o desespero coletivo. Você, que está sofrendo, certamente também está passivo. E a passividade do fim dos tempos...

... esvazia o debate de uma sociedade que vive imersa em medos e mentiras - quando, por exemplo, aceita a carne como uma necessidade, mesmo sendo desnecessária fisiologicamente a quem tem acesso a vegetais. A passividade impede ou tira a seriedade da discussão sobre o sofrimento e a morte de milhões de porcos, bois e outros animais que servem quase sempre ao mercado, ao prazer gastronômico e à tradição, mas quase nunca à sobrevivência. 

O esvaziamento do debate nos transforma em bichos, incapazes de pensar, raciocinar. O mercado, o prazer gastronômico e a tradição passam a ser mais importantes que o sofrimento de animais semelhantes aos cães. "Leões, tigres e crocodilos são pecadores por comerem carne", ironiza um internauta, colocando-se no mesmo patamar dos bichos, especificamente dos carnívoros, desconhecendo que somos onívoros. "Cadeia alimentar", justifica outro, provavelmente teclando de alguma selva onde essa cadeia faça sentido e não dependa da produção industrial. "Alguma coisa morre para nos alimentar, animal ou vegetal", completa um terceiro, que certamente, em seus passeios matinais no parque, enxerga com os mesmos olhos o drama biológico de um capim ressecado e o sofrimento físico e mental de um cachorrinho com fome.

A revolta diante da violência injustificada é válida e bem melhor do que a passividade. Mas não pode se resumir a casos extremos, que sempre existirão na história das patologias humanas. Nem deve se resumir a uma terapia de alívio do paciente do Facebook - é preciso sair do meio virtual. Gosta de cachorro, seja ele yorkshire ou vira-latas? Sua cidade deve ter uma associação de proteção aos animais. Procure ajudá-la. Reflita sobre suas ações com os outros animais, inclusive humanos. Essa é a melhor terapia para um mundo enfermo.

Se você não gostou deste texto, fique à vontade para levar o debate adiante. Ou para xingar muito no Twitter...

4 comentários:

  1. Parabéns a todos aqueles que se mobilizaram para fazer valer a lei neste caso de violência a um animal - e também à criança da família.

    Não deixemos que casos como esse nos desmotivem. Ao contrário: devem servir de estímulo para discutirmos o que as mídias e a sociedade pouco querem discutir.

    No caso dos animais, é a hora de questionar os milhares de cães que sofrem e morrem nas ruas; de questionar se nosso prazer gastronômico é mais relevante que o sofrimento dos animais de consumo.

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  2. Muito bom o artigo. Nossa mídia adora um fato repugnante para estabelecer melhores índices de audiência. No caso do cão, acho que não foi exatamente isso. O episódio ganhou maior repercussão graças a uma manifestação de contrariedade de Heloisa Helena, que postou em seu uma mensagem em seu Twitter.

    Saiu dos setoristas que cobrem política para as páginas de assuntos cotidianos e polícia. Eu vi o assunto em pauta no Jornal da Cultura, foi lá que eu soube do ocorrido.

    Tenho receio que programas como o do Datena preguem linchamento e uma campanha de ódio. Creio que é oportuno trazer assuntos como os maus tratos que animais sofrem em casa, nos abatedouros e criações. Os bichos são tratados sem dignidade. Não falo em vegetarianismo, pois acho quase impossível que o homem opte por este estilo de vida, especialmente no Brasil em que comer carne é culturalmente muito estabelecido. Mas, quem sabe, um abate e criações mais dignas.

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  3. Não sei como avançará a sociedade em relação aos animais de rua, de consumo, etc, mas é fato que o assunto precisa ser debatido por completo. A ciência e a comunicação avançaram demais para continuarmos desrespeitando bichos em nome de nossos prazeres.

    Mas a violência aos animais é apenas um dos casos que a mídia expõe com vícios e omissões.

    O sonho do carro individual é estimulado, mas nossas cidades e nosso planeta nunca suportarão esse modelo de desenvolvimento - por melhor que fossem o governo e o cidadão.

    A bebida é estimulada, aí temos que inventar leis secas para tentar diminuir o estrago desta que é a droga que causa mais estragos no Brasil.

    O que dizer do consumismo? Um Papai Noel americanizado promove a festa da produção de lixo num país que mal tem aterros sanitários.

    E as mídias se rendem ao reino dos interesses econômicos. Pior: aqueles que formam as mídias (jornalistas e cidadão comum) aceitam passivamente e perpetuam um modo de vida que resulta em sua autodestruição.

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  4. Excelente, Roger! ótima reflexão. =D Gosto de textos que não só criticam, mas apontam caminhos. Seus textos sempre apontam caminhos e isso é maravilhoso. Parabéns!

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