quinta-feira, 15 de julho de 2010

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Refém de um sonho

Acorda. Toma o café, o banho, prepara-se para ir ao trabalho. Por sorte, hoje ele precisa andar apenas um quilômetro. Mas andar, para ele, é sinônimo de andar sobre rodas. Pega o carro e vai ao trabalho, diariamente, de carro. Não se lembra de outra hipótese senão essa. Nunca pensou se um quilômetro é pouco ou muito, é saudável ou não, faz sol ou chuva, faz calor ou frio. Mas pega trânsito, gasta com combustível e se estressa.

Acorda. Toma o café, o banho, prepara-se para ir ao trabalho. O carro falha uma vez. Duas. Falhou de novo. O carro quebrou. A preocupação toma conta: como ficar sem o carro? Providencia o conserto imediatamente. Falta ao trabalho porque o carro quebrou, gasta com o conserto e se estressa.

Acorda. Dá bom dia ao pai, à mãe, aos dois irmãos. Ama todos, mas se estressa por não morar sozinho. Sente falta da liberdade, mas não tem dinheiro para alugar uma casa. No lar, ninguém tem. Mas todos têm a liberdade de ter o seu próprio carro. Toma o café, o banho, prepara-se para ir ao trabalho. E vai, sozinho, e se estressa.

Acorda. Faz as contas do mês e se estressa novamente. Ganha mais de mil reais, não paga aluguel, não tem filho, mas a conta não fecha. Combustível, seguro, estacionamentos, IPVA, lavagem, consertos: descobre que o carro é um filho. E se sentiu refém do carro como se sentiria de um filho. Mas se estressa, e não tem como retribuição o amor. Sente dor, não faz exercícios. Mesmo assim, prepara-se para compar um carro novo, porque o seu desvalorizou.

Acorda. Percebe que, mesmo se vender o seu carro, terá gastado mais de 100 mil reais desde que fez 18, há dez. Novamente se estressa. Não percebe que estressou as ruas apertadas, o trânsito sufocado, os que dependem do carro para trabalhar, os que usam ônibus, os que andam de bicicleta, os que respiram ar poluído.

Acorda! Mas apenas quando quiser - se quiser!

Ideia e texto por Rogério Alvarenga
Foto: www.sxc.hu