quarta-feira, 24 de agosto de 2011

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Ditaduras do ASFALTO
Prefeituras gastam milhões para retocar asfalto, mas esquecem ciclovias e ciclofaixas


Oito de Dezembro é uma avenida nobre de São João del-Rei com pouco menos de um quilômetro de extensão. Recentemente, 200 mil reais foram investidos para retocar o asfalto da avenida - que, obviamente, já era asfaltada, pois os nobres não viveriam a decadência dos paralelepípedos ou bloquetes. Outras avenidas receberam aportes ainda maiores: na Josué de Queiroz, quase três quilômetros, quase 600 mil.

Recursos próprios de uma prefeitura municipal. Na TV, o prefeito comemora o recebimento de 7 milhões de reais do governo estadual para outras obras com asfalto. Se você não conhece São João del-Rei, pode estar pensando: "que bom, a cidade deve ser rica e desenvolvida". Rica de história e natureza, mas desenvolvida pela ditadura do asfalto.

A cidade de São João del-Rei tem apenas uma ciclovia, para ligar a área urbana a um dos campi da Universidade Federal, que se localiza numa estrada. Menos de um quilômetro de ciclovia para uma população de quase 100 mil habitantes. Um centímetro por habitante. Sorocaba (SP), com seis vezes mais habitantes, tem pelo menos 70 vezes mais extensão de vias para ciclistas.

Quem localizar outra ciclovia em São João, favor informar. No momento, estamos procurando ciclofaixas, vias integradas ao trânsito, reconhecidas por uma "faixa" pintada. Também está difícil de encontrar. Zero centímetro de ciclofaixa por habitante. Os milhões investidos em asfalto não vêm acompanhado de poucos milhares para pintar e sinalizar ciclofaixas.

Na ditadura do asfalto, nem mesmo o transporte coletivo sai ganhando. A cidade que gasta 200 mil para retocar um quilômetro de avenida nobre não tem um terminal de integração de ônibus. Um terminal bem planejado estimula o uso do transporte coletivo, pois o cidadão paga a tarifa apenas uma vez e pode pegar dois ônibus para alcançar mais rapidamente o seu destino. Em Petrópolis (RJ), é possível percorrer mais de 30 quilômetros de ônibus gastando menos do que o preço de um litro de gasolina.

Na ditadura do asfalto, algumas flores furam o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Pena que ainda há mais náusea do que flores.


Texto: Rogério Alvarenga
Com trecho da poesia "A flor e a náusea", de Drummond de Andrade

2 comentários:

  1. Rogério, mais uma vez, excelente texto. É incrível que fazem a maior lavagem cerebral na população.
    Coloquei meu carro à venda e o que mais escuto é que carro é necessidade.
    Tá certo, funcionário federal tem necessidade encarar diariamente o trânsito caótico das capitais.
    Enquanto na Alemanha os parlamentares vão trabalhar de bicicleta, no Brasil o carro é considerado mais importante que a própria família.
    O absurdo de ainda pagarmos carros oficiais a esses políticos que deveriam ser os primeiros a darem exemplos, mas estimulam o excessivo zelo pelo carro.
    Sinceramente, jamais deixarei de colocar minha filha nas melhores escolas em troca de um carro, que não passa de puro exibicionismo.

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  2. Marcelo,

    O mais perverso nesse sistema é que, quem mais precisa de carro, não pode tê-lo: o cidadão que recebe baixos salários e mora em longínquas periferias mal servidas pelo transporte coletivo.

    Esse cidadão mais pobre é o maior prejudicado pelo trânsito da cidade, formado principalmente pelos automóveis de quem não precisa tê-los: do cidadão que recebe bons salários, que pode morar em bairros centrais e usar as pernas ou uma bicicleta.

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